Para reduzir os privilégios de uma minoria, RECOMPOR AS PERDAS SALARIAIS DOS SERVIDORES E SERVIDORAS DO PODER EXECUTIVO JÁ!

A recomposição salarial dos servidores do Poder Executivo do Estado de Mato Grosso tem sido barrada, ano após ano, pelo governo Mauro Mendes, sob a justificativa de que o Estado precisa manter o equilíbrio das contas públicas, de forma a atender às demandas da maioria da população, e não apenas dos servidores. 

Essa justificativa é falsa e, na verdade, serve como cobertura para um governo do Estado que orienta sua política econômica para atender aos interesses de uma minoria privilegiada, geralmente ligada ao setor do agronegócio ou a ele conectado, como a agroindústria.

Os dados colhidos das prestações de conta do Estado dos últimos cinco anos (2019-2023), tornadas públicas pelo Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso -TCE e aprovadas pela Assembleia Legislativa, mostram que de fato há uma transferência de renda do setor mais pobre da população para o setor mais rico (e das regiões mais pobres para as mais ricas), configurando portanto uma inversão daquilo que poderia ser uma política de renúncias fiscais de Estado favorável à maioria da população. Funcionando às avessas, as renúncias fiscais são hoje o maior programa de transferência de renda do Estado de Mato Grosso, da esmagadora maioria da população para um pequeno grupo de privilegiados, configurando um programa perverso de concentração de renda, o que ajuda a explicar o porquê de Mato Grosso ser um dos Estado mais ricos, com maior crescimento de seu PIB e, ao mesmo tempo, um dos mais desiguais do país. 

Os dados sobre a evolução das finanças do Estado mostram, de forma cristalina, como um setor ultra minoritário é privilegiado pela política fiscal do atual governo estadual, enquanto os servidores públicos, que atendem à esmagadora maioria da população, têm seus direitos violados e seus salários desvalorizados ao longo dos cinco anos analisados. À desvalorização salarial soma-se a precarização do trabalho dos servidores, marcada pela ausência de concursos em diversas carreiras e pelo crescimento no número de servidores contratados, com destaque para as áreas da Saúde, da Educação Básica e da Educação Superior. Observa-se também um crescente processo de privatização dentro do serviço público, que mantém a aparência de público, mas que vem sendo corroído por uma série de métodos privados de funcionamento, como a atuação de OSs, empresas prestadoras de serviços e diferentes processos de terceirização ou contratação de serviços, mecanismos que representam, na prática, uma transferência de recursos públicos para o setor privado. Além desses ataques efetivos, temos a crescente introdução de métodos privados na execução dos serviços públicos, como se pudéssemos cumprir seus objetivos diferentes com parâmetros semelhantes. Nunca é demais lembrar que, enquanto o setor privado tem como objetivo último o lucro, o setor público deve ter como objetivo atender de forma universal às demandas da população, especialmente da população mais pobre.

Indo diretamente aos dados sobre a evolução das finanças do Estado de Mato Grosso durante o primeiro mandato (2019-2022) e o primeiro ano do segundo mandato (2023) do governador Mauro Mendes, de 2019 a 2023, podemos observar que a Receita Corrente Líquida do Estado (RCL) cresceu 80%, passando de 17,5 bilhões de reais em 2019 para 30,94 bilhões de reais em 2023 (Tabela 2).

No entanto, as renúncias fiscais do Estado passaram de 3,42 bilhões de reais em 2019, correspondendo a 19,93% da RCL, para 10,81 bilhões de reais em 2023, correspondendo a 32,15% da RCL, com um crescimento de 162%, portanto, o dobro do crescimento da RCL (Tabela 2).

Com isso, Mato Grosso tinha em 2023 o quarto maior percentual de renúncia fiscal do Brasil (31% das receitas totais em 2023), atrás apenas do Amazonas (62% – Zona Franca de Manaus), Santa Catarina (38%) e Goiás (35%), bem acima da média nacional de renúncias fiscais (15,31%).

No relatório relativo ao ano de 2023 do TCE, há um dado significativo que revela quem ganha e quem perde com essa política fiscal do governo Mauro Mendes. O relatório indica que o número de beneficiados pelas renúncias fiscais do Estado naquele ano foi de 6.964 pessoas, o que dá uma dimensão dos privilégios que uma ínfima minoria da população tem em relação aos 3,6 milhões de habitantes de Mato Grosso (Tabela 2). E o governo Mauro Mendes prossegue com essa política fiscal que privilegia uma ínfima minoria da população do Estado.

Para a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025, recentemente aprovada pela Assembleia Legislativa, a previsão é de uma Receita Corrente Líquida de 38,03 bilhões de reais, com um crescimento de 117% em relação a 2019. No entanto, as renúncias fiscais previstas são de 13,35 bilhões de reais, indicando um crescimento de 290% em relação a 2019.

Nesse mesmo período, as despesas com pessoal passaram de 8,97 bilhões de reais em 2019 para 11,57 bilhões de reais em 2023, com um crescimento de 28,87%, basicamente um crescimento vegetativo da folha e de pequeno aumento numérico de servidores (7%, majoritariamente de servidores contratados). Esses números mostram que o crescimento das despesas com pessoal foi menor do que a inflação do período (32,80%) e muito inferior ao crescimento da Receita Corrente Líquida (RCL), que foi de 80%.

Mas os dados que mais desmentem o discurso do governo do Estado de que não é possível recompor as perdas salariais dos servidores do Poder Executivo para evitar um suposto desequilíbrio nas contas do Estado dizem respeito aos percentuais de despesas com pessoal em relação à Receita Corrente Líquida (RCL), comparados com os limites máximos fixados pela Lei Complementar 101/2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

A LRF estabelece os seguintes limites na relação entre despesas com pessoal e a Receita Corrente Líquida (RCL) do Executivo: Limite de Alerta – 44,10%; Limite Prudencial – 46,55%; Limite Máximo – 49,00%.

Ao observarmos os dados da Tabela 2, verificamos que essa relação caiu de 52,38% em 2019 para 37,49% em 2023, sendo que, ao longo do período, a relação ficou em 44,24% em 2020, 37,67% em 2021, 36,25% em 2022 e 37,49% em 2023, estabilizando-se no patamar de 37%, cerca de sete pontos percentuais abaixo do limite de alerta estabelecido pela LRF. Importante ressaltar que não consta na LDO e na LOA para o ano de 2025, aprovadas pela Assembleia Legislativa, que em 2024 teremos um percentual diferente nessa relação.

Dessa forma, a única compreensão possível para que os salários dos servidores do Poder Executivo não tenham a recomposição das perdas em seu poder de compra nos anos de 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022, que chegam a 25,81%, conforme indicamos na Tabela 1, é dada por decisão exclusivamente política do governo do Estado. É uma decisão política porque, do ponto de vista fiscal, não há justificativa para a manutenção das perdas salariais dos servidores do Poder Executivo nos anos apontados.

Os dados da Tabela 1 mostram que, desde 2020, o governo Mauro Mendes já poderia ter recomposto pelo menos parcialmente as perdas salariais dos servidores do Poder Executivo. Mesmo em 2022, quando a despesa com pessoal estava em 36,25% em relação à RCL, portanto bem abaixo do limite de alerta da LRF (44,10%), ainda assim foi concedida uma reposição de 7%, diante de um IPCA (inflação oficial) de 10,06%, impondo aos servidores uma perda salarial de 3,06% somente naquele ano. Foi somente a partir de 2023 que o governo Mauro Mendes passou a recompor integralmente as perdas da inflação (IPCA) do ano anterior, mas ignorando as perdas dos anos anteriores.

Dessa forma, fica clara a recusa em atender à reivindicação de recomposição das perdas salariais acumuladas desde 2018 dos servidores do Poder Executivo. Agora, em janeiro de 2025, o governo Mauro Mendes indica que continuará a atender aos privilegiados de sempre, o agronegócio e a agroindústria, principalmente.

Os servidores do Poder Executivo, que estão na ponta dos serviços que o Estado presta à grande maioria da população de Mato Grosso, estão sendo sacrificados em suas condições de vida e de trabalho. Mas quem perde mesmo é a própria população, que precisa desses serviços e deveria ser a prioridade do governo do Estado, mas, com a manutenção da atual política do governo Mauro Mendes, será atendida por servidores com salários arrochados, em número insuficiente, muitos dos quais trabalhando de forma precária.

Os deputados estaduais têm a possibilidade de mudar esse quadro, pressionando o governo Mauro Mendes para que inicie, neste ano de 2025, a recomposição das perdas salariais dos servidores e servidoras do Poder Executivo, concedendo uma Revisão Geral Anual (RGA) acima da inflação de 2024 (4,83%) e, com isso, iniciando um período de melhoria das condições salariais daqueles que prestam os serviços públicos que chegam à grande maioria da população do Estado.

Chega de atender à minoria de privilegiados; está na hora de atender à maioria do povo trabalhador de Mato Grosso.

* A Lei 8278/2004 prevê o pagamento da RGA conforme evolução do INPC em 1º de maio de cada ano, data base dos servidores. O governo Mauro Mendes mudou o seu cálculo em 2022 para o IPCA e antecipou o pagamento para 1º de janeiro, alterando de fato com Lei 11.639/2021 a data base dos servidores e servidoras;

** Lei 10.410/2016

*** Foram pagas duas parcelas de 2,19% da Lei 10.572/2017;

**** Referente a uma parcela da RGA de 2018, prevista na Lei 10.572/2017, não paga. Para não cumprir a Lei 10.572/2017 e não pagar a última parcela de 2,20%, o governador Mauro Mendes alegou que o percentual da inflação de 2017 estava abaixo do percentual definido pela lei.

Se calcularmos as perdas com base no INPC até 2020 e a partir de 2021 com base no IPCA, como fez o governo Mauro Mendes, a soma da inflação do período alcança 58,29%. Com isso as perdas acumuladas passam a ser de 26,07 %.

Um artigo de Domingos Sávio da Cunha Garcia. Domingos é Doutor em Economia Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (2005) e professor adjunto da UNEMAT, no Departamento de História do campus de Cáceres, onde leciona desde 1995. Com expertise em História Econômica e História Política do Brasil no século XIX, dedica-se à pesquisa de temas como geopolítica, economia e sociedade na fronteira oeste do Brasil. Além disso, coordena o grupo de pesquisa “Fronteira Oeste: Poder, Economia e Sociedade”. Atualmente, é tesoureiro-geral da ADUNEMAT, após ter exercido a presidência da entidade.